O Projeto
Rizoma: Uma cidade em movimento
O desenvolvimento econômico das regiões do interior de Minas Gerais está ligado diretamente, entre outros fatores, à extração do ouro, ao plantio do café, à criação do gado leiteiro e a industrialização, respeitando a cronologia e a geopolítica do desenvolvimento brasileiro. Cada região possui as suas peculiaridades, entre elas a cultural e social, indicativos estes que revelam detalhes do passado e apontam para o futuro tendo o presente como instrumento básico de análise. Em alguns casos, a ausência de pesquisas e de trabalhos acadêmicos que norteiem a coleta de dados para qualquer análise provocam lacunas na historiografia local e regional que terminam por atingir a memória e a identidade de muitas comunidades, provocando o esquecimento ou até mesmo a incorreção histórica.
Dentro do aspecto desenvolvimentista de Minas Gerais, a arquitetura é um dos principais indicativos deste percurso histórico e econômico, principalmente quando se trata dos períodos colonial, barroco e eclético, como também dos estilos mais contemporâneos. Sua preservação e uso, dentro de critérios de políticas públicas bem definidas, representa um passo importante no planejamento urbano dos municípios, já que seus traços e volumes vão sendo conservados ao longo dos anos e a cidade continua em constante movimento, respeitando ou não esses pontos referenciais, de acordo com o envolvimento da comunidade com sua memória.
Com população estimada pelo IBGE em 135 mil habitantes, o município de Barbacena possui oficialmente doze distritos distribuídos em seus limites territoriais, com destaque para a sede da cidade, seu principal adensamento urbano. Nesta região deu-se o surgimento do primeiro povoado com características urbanas em torno de uma pequena igreja, hoje Matriz de Nossa Senhora da Piedade, conhecido como o centro da cidade. Localizada no Campo das Vertentes, Barbacena firmou-se ao longo dos anos como um dos principais polos econômicos da região, dando origem com seu desdobramento territorial a municípios como Juiz de Fora e Santos Dumont. Seu processo urbanístico de desenvolvimento deixou rastros em bairros, fachadas, ruas, avenidas, praças e, principalmente, nos cidadãos devido à ambiência que os espaços vagos e construídos geram nos aglomerados com suas configuração e memória.
Entendemos que uma cidade, por seu princípio ontológico, é uma entidade em constante movimento e transformação, que nem sempre possui uma sequência regular ou coordenada pelo poder público. Suas ruas são artérias vivas, nada é o que é por muito tempo, tudo está em movimento. Segundo Chartier (1995) a cidade é um palco de representações sociais, em que cada segmento tem a sua leitura própria do espaço urbano e, dela, faz a sua jornada diária, ou seja, sua existência cotidiana. Conhecer para representar, segundo ele, significa traduzir uma ausência e, ao mesmo tempo, apresentar publicamente uma presença. Já para Pesavento (2002), a cidade não representa apenas um fato, um dado colocado pela concretude da vida humana, mas, “como objeto de análise e tema de reflexão, ela é construída pelo desafio e, como tal, objeto de questionamento”. Dentro dessa visão, a nossa estratégia de abordagem teórico-metodológica tem por uma de suas bases trabalhar a cidade através de suas representações, sejam elas sociais, arquitetônicas ou mesmo orais. Pesavento (2002) também destaca a relação entre a história e o urbanismo quando se trata da cidade. “A história da imagem urbana contém um relato das formas de sentir, ver e sonhar a cidade, onde a arquitetura joga o papel do subconsciente, expressando o desejo coletivo inalcançável que se configure material e imaterialmente (…). Dessa forma, história e urbanismo se aproximam através da possibilidade de resgatar, pela imagem urbana atual, as representações das cidades que passaram ou que pretenderam ser um dia”.
As marcas urbanas, suas feições, são resultantes de transformações econômicas e sociais, que deixam sinais de uma história não-verbal, de imagens, de morros e ladeiras, de avenidas e becos sem saída, de construções e abandonos, que têm como significado o conjunto de valores, usos e hábitos, desejos e crenças que misturam, através dos tempos, o cotidiano de cidadãos aonde quer que eles se encontrem na geopolítica da humanidade.
Devido à complexidade deste trabalho, já que uma cidade é um organismo vivo, encontramos no conceito de rizoma de Félix Guattari e Gilles Deleuze a principal base teórica acadêmica ideal para nos auxiliar na elaboração deste projeto. Como sabemos, uma cidade é um emaranhado de retas, curvas, planos, verticalidades, horizontalidades, conexões e rompimentos, enfim, na obtenção do ordenamento territorial de uma cidade é necessário estabelecer critérios que representem a realidade de um espaço em que seu uso como representação social escapa entre as malhas do poder público e administrativo. Em seu conceito de rizoma, os autores estabelecem uma diferenciação com o conceito de Descartes em que a filosofia seria como uma árvore – “a raiz, seria a metafísica, o caule seria a física e a copa e os frutos seriam a ética. “Não devemos mais acreditar em árvores, nem em seus prometidos frutos. Queremos um pouco de terra… já é tempo”, afirmam. Estendemos esta conceituação para a arquitetura e observaremos que as ramificações urbanas possuem seus próprios tentáculos espalhados pela cidade, conduzindo e/ou bloqueando sentidos e destinos, em que um simples acontecimento movido pelo acaso pode alterar toda uma trajetória.
Entendemos que o rizoma, para o campo arquitetônico, pode ser considerado uma espécie de modelo de resistência estética e política, um sistema acêntrico, que não está preso a qualquer hierarquia. Trata-se de linhas e não de formas. As linhas de orientação e de fuga representam tentativas de unir temporariamente e/ou escapar do controle estabelecendo contatos com outras raízes de forma às vezes até aleatória. O modelo das cidades brasileiras possui uma configuração espacial até mesmo segregatória, com as áreas públicas utilizando critérios políticos seletivos e econômicos em suas sociabilidades e interação. A Teoria do Rizoma, segundo os autores, estabelece seis princípios: conexão, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura a-significante, cartografia e decalconomia. Esses princípios dialogam sem dificuldade com a arquitetura e o urbanismo. Assim, é possível projetar utilizando como referência os habitantes de uma determinada região, já que são eles que dão a ambiência necessária ao espaço, e com a configuração urbana, respeitando o passado em nome do presente e mirando o futuro da comunidade.
Neste sistema rizomático, utilizaremos um espaço definido, que foi instituído pela Lei Municipal 4.153, que estabeleceu uma zona de proteção cultural no município de Barbacena, adoção esta devido ao grande número de construções de valor arquitetônico e memorialista, já que representam em seus traços a identidade de uma comunidade. Totalizando 54 bens, compreendemos que eles possuem relações de ambiência que escapam a um olhar desatento. Essas ligações podem ser percebidas pela data da construção dos imóveis, pelo estilo arquitetônico (colonial, barroco, eclético), pelo trajeto diário das pessoas que circulam pela região central, pelo uso como espaços públicos institucionais ou de entidades privadas, entre outros. Mas essas relações são frágeis e podem ser rompidas em suas territorialidades e reconstruídas logo após, tudo em termos de uma cidade que se movimenta e se reurbaniza, se constrói e se destrói diariamente.
Quando o espaço público é o tema principal, quase sempre nos esquecemos da importância da observação e do reconhecimento dos aspectos arquitetônicos e históricos para o exercício da apropriação deste espaço pela população e, consequentemente, pelas políticas públicas de preservação do patrimônio cultural de uma determinada comunidade. Para realizar esta observação, ponto de partida para a valorização cultural urbana, precisamos do hábito cotidiano e do exercício de sensibilidade através de uma nova forma do olhar para a cidade – um olhar diferenciado de formas e funções, de construção e reconstrução, do público e do privado. Como é difícil nos ambientes normais encontrar espaço para este exercício de sensibilidade, as ações que visam a educação patrimonial são iniciativas fundamentais no sentido de levar às pessoas a reconhecerem a identidade do local e estabelecer raízes para a celebração da memória urbana e de sua própria história no espaço de representação social que é a cidade.

Visita Guiada
O projeto de Visitas Guiadas ao Patrimônio Cultural de Barbacena, criado em 2009, tem promovido ações de Educação Patrimonial usando como referência principal o corredor central da cidade – Rua XV de Novembro e adjacências – onde está situado grande parte dos bens imóveis tombados pelo Município, pelo Estado e pela União. Ou seja, este corredor representa um mosaico histórico que reúne passado e presente – além de ser chamado também do centro financeiro e comercial do município. Temos, por exemplo, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário (patrimônio municipal), Matriz de Nossa Senhora da Piedade (patrimônio federal), Prédio da Câmara Municipal, Solar dos Andradas (patrimônio federal), Praça Conde de Prados (municipal), Casa da Cultura (estadual), Matriz de Nossa Senhora da Boa Morte (federal), entre muitos outros. Destacamos também uma visita ao Museu Municipal de Barbacena, instalado no Solar dos Penna, patrimônio municipal, e situado dentro deste circuito. É preciso entender que, mais do que recuperar o interesse no espaço construído das cidades, é interessante compreender as atribuições simbólicas vinculadas a este espaço a fim de evitar o risco de converter a cidade em uma espécie de museu, já que o espaço urbano está em constante movimento e diálogo com os cidadãos e o Poder Público.
Para isto, neste projeto adotamos a interpretação como forma de abordagem para a execução de visitas guiadas de crianças e adolescentes (aqui identificados como estudantes) na região que denominamos de corredor central/cultural da cidade. As visitas dos estudantes, depois do agendamento com as instituições de ensino, serão acompanhadas por alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presidente Antônio Carlos devidamente capacitados e contarão com o auxílio de um relatório que identificará os usos antigos e novos dos espaços, propondo, desta forma, que os jovens estabeleçam seus próprios significados para o espaço através de apropriações não oficiais e que reconheçam uma cidade em constante transformação e uma extensão de seus moradores. A construção destes significados possui grande potencial para despertar o interesse dos estudantes em relação ao patrimônio que visitam, favorecendo desta forma o reconhecimento dos bens que lhes pertencem e sua necessária preservação. Assumir que determinada ação, objeto ou espaço físico tem algo com que nós nos identificamos, transforma nossa percepção, predispondo-nos à preservação do que consideramos como público, ou seja, “nosso”.
A plataforma juntamente com as Visitas Guiadas constituirão um espaço digital e presencial na análise da identidade arquitetônica, cultural e urbanística do município de Barbacena. Elaborado e mantido pelos alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presidente Antônio Carlos, a plataforma será de acesso público, integrando uma disciplina do curso, podendo até mesmo estar hospedada no provedor da universidade. Por outro lado, as Visitas Guiadas, que serão previamente agendadas com as instituições de ensino, processo que já ocorre regularmente junto ao idealizador e coordenador do projeto, arquiteto Sérgio Cardoso Ayres, funcionarão como um exercício prático de ensino e de educação patrimonial aos alunos do curso de arquitetura e participantes, além de fornecer subsídios para a plataforma digital. Finalizando o projeto em sua fase de um programa temporário de iniciação científica, com a plataforma disponibilizada e as visitas guiadas em andamento, seu desdobramento principal será a transformação em programa de extensão universitária do curso de Arquitetura e Urbanismo, agregado a uma disciplina da grade curricular.


Sérgio Ayres
Professor Orientador

Letícia Bispo
Aluno Voluntário
